sexta-feira, 23 de março de 2018

ISENÇÃO DE ICMS SOBRE BENS E SERVIÇOS ADQUIRIDOS POR ENTIDADES IMUNES E ISENTAS TEM REPERCUSSÃO GERAL

Nos dias 22 e 23/02/2017 o plenário do Superior Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento que reconheceu a existência de “repercussão geral” no tema discutido no Recurso Extraordinário (RE)  608872, que é a isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias, Bens e Serviços (ICMS) incidente sobre bens produzidos no país e destinados a entidades de fins filantrópicos.

O RE foi interposto pelo governo de Minas Gerais contra decisão do Tribunal de Justiça daquele estado (TJ-MG) que isentou da incidência de ICMS bens destinados à Casa de Caridade de Muriaé – Hospital São Paulo. Em, seu acórdão (decisão colegiada), o TJ entendeu que “as instituições de assistência social foram declaradas pela Constituição Federal (CF) imunes a impostos, exatamente porque buscam ou avocam os mesmos princípios do Estado, a realização do bem comum, como o trabalho realizado pelas Santas Casa de Misericórdia, que dão assistência médico-hospitalar gratuita a pessoas carentes”.

Ainda segundo o TJ-MG, “os contribuintes de direito são os fornecedores de medicamentos, máquinas e equipamentos necessários à consecução das atividades filantrópicas da apelante (a Casa de Caridade de Muriaé - MG), a mesma é quem suporta o valor do imposto embutido na operação de venda das mercadorias, como se fosse o contribuinte de fato, sendo válido o reconhecimento do direito, pois poderia buscá-lo em eventual restituição, na dicção do artigo 166 do Código Tributário Nacional” (restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro).

Repercussão geral

Ao propor o reconhecimento da existência de repercussão geral na matéria, o relator do RE, ministro José Antonio Dias Toffoli, observou que “não se trata de um eventual caso isolado, de uma simples briga de vizinhos, ou mesmo de divergência particular que pudesse limitar-se ao microuniverso das partes litigantes”.

Segundo ele, “trata-se de matéria que haverá de repercutir de maneira ampla em toda uma considerável parcela da sociedade, mormente os envolvidos, direta e indiretamente, em tais operações pela ótica tributária, irradiando seus efeitos, naturalmente, na arrecadação de considerável montante aos cofres públicos estaduais”.

Nesse contexto, ele se reportou a decisão do ministro Gilmar Mendes, nos autos da Suspensão de Segurança (SS) 3533, da qual é relator, também interposta pelo governo mineiro contra a mesma Casa de Caridade de Muriaé – Hospital São Paulo que é parte no RE 608872. Ao conceder a SS requerida pelo governo mineiro naquele caso, em novembro de 2008, o ministro Gilmar Mendes observou que a suspensão de exigibilidade de recolhimento do ICMS nas aquisições de insumos, medicamentos e serviços inerentes ao funcionamento de uma instituição hospitalar “afeta negativamente a arrecadação do requerente (o governo mineiro), ante a relevância desse tributo no total da arrecadação estadual, gerando grave lesão à economia pública”.

Ainda naquele caso, o ministro Gilmar Mendes lembrou que a entidade filantrópica não buscava a imunidade sobre a comercialização de bens por ela produzidos, mas sim a do ICMS cobrado de seus fornecedores (contribuintes de direito) e a ela repassados como consumidora (contribuinte de fato). 

Dessa forma, conforme admitiu, “a manutenção da decisão (do TJ-MG) impugnada pode ensejar grave lesão à ordem pública, pois se afasta o pagamento do ICMS, a título de imunidade tributária, sem expressa disposição constitucional nesse sentido”.

Alegações

No recurso extraordinário em que questiona a decisão do TJ-MG, o governo de Minas alega violação do artigo 150, inciso VI, letra c, parágrafo 4º da CF, argumentando que essa norma constitucional somente se aplica às entidades relacionadas na alínea c, entre elas as entidades de assistência social sem fins lucrativos, e mesmo assim somente àquelas que preencham os requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional, ou seja, não distribuam lucros e dividendos sobre rendas a seus acionistas.

Segundo o governo mineiro, no caso, “não se está tratando de eventual imunidade de produtos comercializados e/ou serviços prestados pela entidade impetrante, mas sim de produtos que seriam por ela adquiridos”.

Assim, segundo o ministro Dias Toffoli, relator do RE 608872, a controvérsia, ao contrário de precedentes invocados pela entidade assistencial, não se limita à cobrança de ICMS decorrente da comercialização de bens produtos por entidades de assistência social.

“Fica evidente, assim, a necessidade de se enfrentar o tema de fundo”, observa o ministro Dias Toffoli. “Entendo que a matéria transcende o interesse subjetivo das partes e possui grande densidade constitucional, na medida em que se discute, neste caso, o alcance da imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, c, da CF, quando as destinatárias da norma adquirem bens no mercado interno”.

Decisão

“O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 342 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, para declarar não ser aplicável à recorrida a imunidade tributária constante do art. 150, VI, c, da Constituição Federal, sem condenação em honorários, nos termos da Súmula 512, e custas conforme a lei. Em seguida, o Tribunal fixou a seguinte tese: “A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido”. O Ministro Marco Aurélio fez ressalva à tese, no tocante à redação, no que foi acompanhado pelo Ministro Ricardo Lewandowski. Ausente, justificadamente, o Ministro Luiz Fux. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 23.02.2017.”

Ementa do Acórdão/Decisão

EMENTA: Recurso extraordinário. Repercussão geral. Imunidade do art. 150, inciso VI, alínea a, CF. Entidade beneficente de assistência social. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Aquisição de insumos e produtos no mercado interno na qualidade de contribuinte de fato. Beneplácito reconhecido ao contribuinte de direito. Repercussão econômica. Irrelevância.

1. Há muito tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a imunidade tributária subjetiva se aplica a seus beneficiários na posição de contribuintes de direito, mas não na de simples contribuintes de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a discussão acerca da repercussão econômica do tributo envolvido. Precedentes.

2. Na primeira metade da década de sessenta, alguns julgados já trataram do tema, ensejando a edição da Súmula nº 468/STF. Conforme o enunciado, após a Emenda Constitucional 5, de 21/11/1961, o imposto federal do selo era devido pelo contratante não beneficiário de desoneração constitucional (contribuinte de direito) em razão de contrato firmado com a União, estado, município ou autarquia, ainda que a esses entes imunes fosse repassado o encargo financeiro do tributo por força da repercussão econômica (contribuintes de fato).

3. A Súmula nº 591, aprovada em 1976, preconiza que “a imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto sobre produtos industrializados”.

4. Cuidando do reconhecimento da imunidade em favor de entidade de assistência social que vendia mercadorias de sua fabricação (contribuinte de direito), admite o Tribunal a imunidade, desde que o lucro obtido seja aplicado nas atividades institucionais.

5. À luz da jurisprudência consagrada na Corte, a imunidade tributária subjetiva (no caso do art. 150, VI, da Constituição Federal, em relação aos impostos) aplica-se ao ente beneficiário na condição de contribuinte de direito, sendo irrelevante, para resolver essa questão, investigar se o tributo repercute economicamente.

6. O ente beneficiário de imunidade tributária subjetiva ocupante da posição de simples contribuinte de fato – como ocorre no presente caso –, embora possa arcar com os ônus financeiros dos impostos envolvidos nas compras de mercadorias (a exemplo do IPI e do ICMS), caso tenham sido transladados pelo vendedor contribuinte de direito, desembolsa importe que juridicamente não é tributo, mas sim preço, decorrente de uma relação contratual. A existência ou não dessa translação econômica e sua intensidade dependem de diversos fatores externos à natureza da exação, como o momento da pactuação do preço (se antes ou depois da criação ou da majoração do tributo), a elasticidade da oferta e a elasticidade da demanda, dentre outros.

7. A propósito, tal orientação alinha-se aos precedentes desta Corte no sentido de ser a imunidade tributária subjetiva constante do art. 150, VI, c, da Constituição aplicável à hipótese de importação de mercadorias pelas entidades de assistência social para uso ou consumo próprios. Essas entidades ostentam, nessa situação, a posição de contribuintes de direito, o que é suficiente para o reconhecimento do beneplácito constitucional. O fato de também serem apontadas, costumeira e concomitantemente, como contribuintes de fato é irrelevante para a análise da controvérsia. Precedentes.

8. Em relação ao caso concreto, dou provimento ao recurso extraordinário para declarar não ser aplicável à recorrida a imunidade tributária constante do art. 150, VI, c, da Constituição Federal. Sem condenação em honorários, nos termos da Súmula nº 512/STF. Custas ex lege.

9. Em relação ao tema nº 342 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet, fixa-se a seguinte tese:

“A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido.”

Trânsito em julgado

Conforme Certidão de Trânsito de 23/10/2017: “o(a) acórdão/decisão transitou em julgado em 17/10/2017, dia subsequente ao término do prazo recursal.”.

Abraços...

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