segunda-feira, 8 de julho de 2019

BENEFÍCIOS PREVISTOS EM NORMA COLETIVA NÃO PODEM SER SUPRIMIDOS POR REENQUADRAMENTO SINDICAL

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Cooperativa da Indústria da Construção Civil do Ceará (Coopercon-CE) a pagar a uma diretora executiva parcelas previstas nas normas coletivas da categoria econômica da construção civil, e não as da categoria das cooperativas. O reenquadramento da atividade econômica da empresa e, consequentemente, de seus empregados só se deu após o término do contrato de trabalho.
O caso
Durante a vigência do contrato da diretora, a Coopercon contribuía para o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Ceará (Sinduscon-CE) e aplicava as normas coletivas ajustadas entre essa entidade e o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil da Região Metropolitana de Fortaleza – onde havia se dado a homologação da rescisão contratual.
Após a dispensa, a cooperativa resolveu fazer novo enquadramento na categoria patronal das cooperativas e, pelo princípio do paralelismo, enquadrou também seus empregados no sindicato profissional correspondente.
Atividade preponderante
Na reclamação trabalhista, a diretora pediu o pagamento de diversas parcelas previstas nas convenções coletivas do segmento da construção civil, como estabilidade pré-aposentadoria, participação nos lucros e resultados e diferenças de reajuste normativo. O pedido foi deferido pelo juízo da 13ª Vara do Trabalho de Fortaleza (CE), mas o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região reformou a sentença, por entender que o recolhimento feito pela cooperativa, por equívoco, de contribuições para o sindicato dos empregados da construção civil não acarreta o reconhecimento de que esse seja o representante da categoria profissional de seus empregados.
Segundo o TRT, o que define o enquadramento sindical do empregado é a atividade preponderante do empregador, que, no caso, não é a de construção civil, mas de cooperativismo.
Reenquadramento
Ao examinar o recurso de revista da diretora, o relator, ministro Agra Belmonte, considerou o caso peculiar. Ele observou que a cooperativa agiu acertadamente ao fazer o reenquadramento em atividade condizente com o seu objeto social e que o enquadramento sindical, como regra geral, é feito de acordo com a atividade preponderante do empregador, à exceção das categorias diferenciadas, o que não é o caso. “Ocorre que, ao determinar o reenquadramento, a empresa não poderia ter esquecido o passado”, ressaltou. “Deixou de cumprir as normas da categoria profissional até então observadas, mais benéficas que as do reenquadramento, e, assim, causou prejuízo à empregada”.
Boa-fé
O ministro lembrou que, nos termos dos artigos 444 e 468 da CLT, as condições mais favoráveis ao empregado aderem ao seu contrato de trabalho e são ilícitas as alterações que lhe resultem em prejuízos. “Trata-se aqui da questão da boa-fé contratual e da aplicação de três princípios basilares do Direito do Trabalho: o da primazia da realidade, o da condição mais benéfica e o da razoabilidade”, explicou.
Para o relator, o procedimento da empresa, ao alterar a norma de conduta sedimentada cuja observância era esperada pela empregada para o desenvolvimento do contrato de trabalho e ao não cumprir as normas coletivas até então observadas ofendeu o princípio da boa-fé objetiva. “Por outro lado, pelo princípio da primazia da realidade, há de prevalecer a realidade dos fatos na execução do contrato, para fins de proteção das relações de trabalho”, afirmou.
Se as normas coletivas estabelecidas foram as negociadas entre o Sinduscon e a categoria econômica dos trabalhadores da construção civil, para o qual a empresa contribuía, e eram mais benéficas do que as do adequado enquadramento, “essa é a realidade a ser observada”, assinalou o relator. Ainda de acordo com o ministro, o princípio da boa-fé se aplica desde a fase pré-contratual até a pós-contratual, “com o objetivo de determinar uma referência de comportamento ético entre os participantes em todos os momentos da relação obrigacional”.
Assim, a norma posterior, decorrente do novo enquadramento, não pode suprimir ou reduzir direitos incorporados ao patrimônio do empregado, porque a condição existente é mais benéfica. “Esse instituto proíbe atitudes contraditórias das partes, evitando-se a frustração de expectativas legítimas do outro integrante da relação contratual, como ocorreu no caso”, concluiu.
A decisão foi unânime.
(MC/CF)
Processo: RR-1214-79.2014.5.07.0013
RECURSO DE REVISTA. LEIS Nos 13.015/2014, 13.105/2015 E 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA. BENEFÍCIOS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS ADOTADAS DURANTE TODO O PACTO LABORAL. NOVO ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMA MENOS FAVORÁVEL. PREJUÍZO AO EMPREGADO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. O recurso de revista se viabiliza porque ultrapassa o óbice da transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza social e econômica. BENEFÍCIOS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS ADOTADAS DURANTE TODO O PACTO LABORAL. NOVO ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMA MENOS FAVORÁVEL. PREJUÍZO AO EMPREGADO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. No caso ora em apreço, extrai-se da leitura do acórdão regional que, por ocasião da ruptura contratual, a autora foi surpreendida com a negativa da empregadora em conceder-lhe direitos previstos nas normas coletivas que eram correntemente aplicadas durante todo o pacto laboral, o que fez sob o fundamento de equívoco no enquadramento sindical adotado. Entretanto, ao determinar o reenquadramento, a ré deixou de cumprir as normas da categoria profissional até então observadas, mais benéficas que as do novo enquadramento e assim causou prejuízo à trabalhadora dispensada. Trata-se aqui da questão da boa-fé contratual e da aplicação de três princípios basilares de Direito do Trabalho: o da primazia da realidade, o da condição mais benéfica e o da razoabilidade. Deveras, o procedimento da ré, ao alterar a norma de conduta sedimentada e expectada para o desenvolvimento do contrato (artigo 422 do Código Civil), para não cumprir as normas coletivas sempre observadas pelas partes, invocando novas normas para negar-se ao cumprimento das anteriores, ofendeu o princípio da boa-fé objetiva. Por outro lado, pelo princípio da primazia da realidade, há de prevalecer a realidade dos fatos na execução do contrato, para fins de proteção das relações de trabalho. Com efeito, se as normas coletivas estabelecidas para o contrato de trabalho da reclamante foram as negociadas entre o SINDUSCON e a categoria econômica dos trabalhadores da construção civil, para o qual a empresa vertia as contribuições obrigatórias e eram mais benéficas do que as do adequado enquadramento, essa é a realidade a ser observada e, pelo princípio da razoabilidade, a solução capaz de realizar o direito, ou seja, a justiça do caso concreto (artigo 170, caput, da Constituição Federal). Finalmente, pelo princípio da condição mais benéfica, a norma posterior (do novo enquadramento) não pode suprimir ou reduzir direitos já incorporados ao patrimônio do empregado, porque mais benéfica a condição existente. Outrossim, a cláusula geral de boa-fé objetiva também abrange a máxima nemo potest venire contra factum proprium (“ninguém pode se voltar contra fato próprio”). Tal instituto estabelece a proibição de atitudes contraditórias das partes, evitando-se a frustração de expectativas legítimas do outro integrante da relação contratual, situação verificada in casu. Destarte, por entender maculado o princípio da boa-fé objetiva no contrato de trabalho em análise, merece reforma o acórdão regional para restabelecimento da sentença que julgou procedente o pedido de condenação da ré ao deferimento dos direitos previstos nas normas coletivas anteriores ao reenquadramento. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 422 do Código Civil e provido. 
Fonte: TST - Secretaria de Comunicação Social, publicada originalmente em 27/06/2019.
Abraços...

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